
Você já sabe que os funcionários do jornal O Diário, o maior de Maringá, estão sofrendo violação do direito a salários, ao sustento, à própria dignidade. Mas consegue imaginar o que exatamente representa na vida de um trabalhador quatro meses (em alguns casos, mais) sem dinheiro na conta? O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná ouviu exemplos concretos e revoltantes que reforçam a gravidade do problema e a urgência de um desfecho.
O infografista Welington Vainer estava com uma obra em andamento na casa dele quando foi surpreendido pelos atrasos salariais. Por falta de recursos, teve que suspender o projeto. Mas ainda precisava quitar as despesas referentes à parte executada: R$ 10 mil reais em materiais de construção, mais R$ 5 mil pela mão de obra. Sem dinheiro, recorreu a um empréstimo, financiado em quatro anos, pagando R$ 473 por mês. “Absurdo, vexatório e constrangedor pagar R$ 7 mil só de juros, mais cerca de R$ 3 mil por conta de atrasos e conta bancária estourada, para quitar uma despesa de R$ 14 mil. Isso teria sido evitado, ou pelo menos minimizado, em condições normais, de salários em dia”, indigna-se. “Jamais precisei recorrer a empréstimos, e nunca havia pago um centavo de juros na minha vida. Ou fazia o empréstimo e resolvia a situação emergencial, ou eu iria parar num psiquiatra, pois já não dormia fazia meses, fora o estresse por causa de cobranças”, desabafa o infografista, há 13 anos trabalhando em O Diário.
Se o medo dele era “parar no” psiquiatra, o problema de outros foi “parar com” o tratamento médico. Uma repórter que pediu para não ser identificada conta que mesmo contraindo empréstimos junto ao banco e a familiares, teve que sacrificar a saúde. “Precisei cancelar um atendimento psiquiátrico particular que fazia”, lamenta.
Com as contas no vermelho, resta aos trabalhadores priorizar as despesas mais urgentes. Luiz de Carvalho, repórter das editorias Maringá, Paraná e Agronegócios, não pagou o IPVA e também precisou recorrer a um empréstimo bancário para manter a casa e as despesas de um filho que depende de alimentação especial. “A preocupação é que as parcelas do empréstimo começam a vencer nos próximos dias”, diz o jornalista que, como os colegas, não sabe quando – e se – vai receber o que a empresa deve a ele.
“Extremamente crítica” é como define a própria situação o repórter policial Roberto Silva, com uma história de 35 anos no jornal. Além de estar sem salários desde novembro do ano passado, mais o décimo terceiro, ele tem duas férias já vencidas. “A empresa tem conhecimento de que passo por tratamento psiquiátrico e necessito de acompanhamento médico e medicação de uso contínuo, mas esse quadro grave de saúde parece não ter sido suficiente para fazer a direção se sensibilizar. Como meu salário era utilizado para manter as despesas da casa (a esposa, também jornalista, está desempregada), a situação tem se agravado a cada dia, ampliando ainda mais os sintomas de depressão e ansiedade, contra os quais luto há quatro anos”, revela. A greve deflagrada há pouco mais de um mês não representou descanso para ele. “Minha saúde mental tem se agravado a cada dia. Estou debilitado, muito cansado, esgotado física e emocionalmente.”
As notícias que chegam para os jornalistas só aumentam a sensação de injustiça e revolta. Roberto conta que dias atrás ele e os colegas foram informados de que um blogueiro que tem acordo para repassar informações e fotos para O Diário a troco de R$ 1 mil por mês tem sido pago normalmente. “O próprio blogueiro confirmou ao nosso grupo ter recebido o último pagamento no fim de fevereiro. Como podem pagar alguém de fora em detrimento de sua própria equipe de funcionários?”, questiona.
Não é exagero dizer que a situação desses jornalistas é, sob alguns aspectos, pior do que a de um trabalhador surpreendido com uma demissão. Fosse este o caso, ao menos teriam direito ao seguro desemprego e estariam livres para procurar outro trabalho. Em vez disso, estão sem seguro, à míngua, presos a um emprego sem perspectiva, sabendo que mesmo se pedirem demissão dificilmente vão receber o que é devido, se não por (geralmente morosas) vias judiciais.
Entre um protesto e outro – as manifestações tem sido quase diárias – o repórter de Política e Cidades Luiz Fernando Cardoso se viu forçado a antecipar a publicação de seu primeiro livro (leia mais clicando aqui) para obter alguma renda. “Quiçá, com as vendas do e-book, eu possa ajudar no orçamento familiar, comprometido pelos meses de salários atrasados”, torce.
São apenas alguns dos reflexos da situação de abandono a que foram lançados os funcionários de O Diário. A esperança é de que saia um acordo nesta quinta-feira, data da audiência de conciliação marcada pela Justiça na ação movida pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná contra O Diário. Será a chance de os donos do jornal cessarem, ainda que tardiamente, com os estragos na vida dos trabalhadores.