Fui dormir agoniada depois da notícia de que o STF “pacificou” a questão das terceirizações da atividade-fim. A maioria dos ministros entendeu que o fato não precariza as relações de trabalho e ainda gera empregos. Parece-me que os argumentos apresentados pelos ministros esbarram no dia a dia dos trabalhadores, contradição esperada diante da distante realidade de quem recebe R$ 33,7 mil, tem direito a auxílio-moradia de R$ 4,3 mil e mais uns penduricalhos de privilégios, para quem vive de salário apertado, está desempregado ou na informalidade.
Enquanto o Supremo sobe seu próprio teto de vencimentos para R$ 39,2 mil, alegando que há defasagem, para o trabalhador comum, tranquilex ser terceirizado. Vou usar um resumo do G1 para um exercício de teoria X prática.
Carmem Lúcia mandou essa: “Eu não tenho dúvida de que a precarização do trabalho inviabilizando o pleno emprego contraria a Constituição. O que não me convence é que a terceirização prejudica o trabalho”.
Pois bem, vamos tentar convencê-la. Uma empresa só resolve terceirizar para conter custos, fugir do peso da folha de pagamento. Então, ela vai lá e contrata uma terceirizada. Essa terceirizada vai prestar o serviço e receber um valor. Com esse valor, ela tem que pagar os funcionários e ainda lucrar.
Se fica barato para a empresa terceirizar e a terceirizada ainda lucra é porque tem orçamento enxuto. E você acha que ela vai economizar no lucro? NÃO, coleguinhas. A economia vem do salário baixinho que ela vai oferecer e o trabalhador, ferrado, vai aceitar. Já tiveram contato com funcionários de terceirizadas? Não dá para se apegar porque a rotatividade é louca. O cara trabalhando já procurando uma oportunidade melhor e, se rola, pula fora rápido. E ninguém gosta do trabalhador que reclama. Trabalhava num prédio que a limpeza era terceirizada. Uma das zeladoras fazia pedidos de melhorias, pois faltavam produtos, etc. Conclusão: foi rifada.
Quer ver a precarização das relações de trabalho escancarada? Só olhar os setores da saúde pública terceirizados. Pergunte a um médico, enfermeiro, técnico de enfermagem como é a rotina. Escalas malucas, faltam insumos e você nem sabe a quem pedir, e a rotatividade nem se fala.
Daí você olha o discurso dos ministros do Supremo e tem que ouvir do Lewandowski que o aumento salarial é necessário porque os aposentados e pensionistas do Supremo vivem “estado de penúria” e “não conseguem pagar plano de saúde”. Cara, pois te digo que o terceirizado não terá a preocupação de pagar o plano, já que o salário dele não dá para isso. Ele é usuário do SUS, o sucateado e terceirizado SUS, que deve ficar ainda pior com o teto de gastos do “querido” Temer.
Agora, vamos para a “cereja do bolo”. “Insisto que todo abuso a direitos e, especialmente, quanto a valor do trabalho, têm formas de conter”, afirmou Carmem Lúcia. Essas “formas de conter” estão na Justiça do Trabalho. Com a reforma trabalhista, se o trabalhador perder no processo, paga a causa. E o medo de buscar os direitos? Se o Brasil é baseado em injustiças, como confiar em magistrados? Especialmente quando eles vivem um mundo à parte de privilégios que desafiam a moralidade em um país tão desigual.
Eu vou ainda mais longe, aos efeitos sobre a Previdência. Nesta época de eleição, todos os candidatos falam da necessidade de reforma. Há quase uma histeria nessa questão do deficit da Previdência, mas ninguém discute as formas de financiamento e possíveis soluções. A “única” forma é botar o cara para trabalhar para sempre.
Acredito que a decisão do Supremo impacta na arrecadação. Como a rotatividade em terceirizadas é grande, o trabalhador tem gaps de contribuição, ou seja, vai demorar mais para cumprir tempo de trabalho. Além disso, aumenta a pejotização. Na imprensa, que é minha área, a carteira assinada já parece quase impossível. E quem é PJ, nem sempre contribui com o teto.
E a gente fica vendo um debate sobre Previdência que só joga o argumento de uma população mais envelhecida, com menor índice de contribuição. A Previdência é muito mais e têm outros gatilhos, como arrecadação de loterias e lucros sobre empresas. E daí a gente olha a lista de devedores da Previdência e encontra vários bancos. Só os cinco maiores deixaram de repassar R$ 1,3 bilhão em 2016.
O Itaú, que está na lista de devedores, fechou o segundo trimestre deste ano com R$ 6,3 bilhões. Mesmo assim, além de dar calote na Previdência, ainda ganha perdão de dívidas. Mas a culpa é sua, trabalhador. Então, obviamente, é você quem vai fazer o sacrifício de pagar a conta da Previdência sozinho.
E não só da Previdência pública como daquele plano de previdência privado que os nossos amigos bancos adoram oferecer e passaram a incentivar ainda mais depois que a reforma ficou no horizonte. Fico pensando, o mercado ganhou tanto nos governos petistas – que nada tiveram de comunistas, diga-se de passagem para a parcela da teoria da conspiração mucho loca – e ainda não ficou satisfeito, tanto que está firme e forte no financiamento e composição de alguns partidos nestas eleições.
Se com tudo isso de dinheiro ainda não está bom, imagine o plano cruel que vem pela frente. E não estou aqui falando de pequenos e médios empresários, que sofrem com uma tributação maluca que precisa ser mudada. Aliás, acho que um dos problemas do país é o pequeno e o médio não se enxergarem como tais. No livre mercado, grande come pequeno e salva-se quem puder.
Se você é trabalhador (a), como eu, prepare-se para muitas noites de agonia.
Por Pauline Frank de Almeida
Pauline é jornalista. Formada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), já trabalhou em diversos veículos de comunicação pelo Paraná. Passou pela assessoria do Observatório de Gestão Pública de Londrina, TV UEL, Massa News e O Diário.
Foto/destaque*: Sessão plenária do STF. Foto: Nelson Jr./SCO/STF (30/08/2018)
*Todas as fotos utilizadas são do banco público de imagens do STF, disponível neste link.