Viver é um eterno girar. Voltamos às origens. Reencontramos a largada antes mesmo da chegada. Um cão andando em círculo atrás do próprio rabo. Dar uma volta inteira no Parque do Ingá, em Maringá, é voltar aonde tudo começou, pelo menos naquela horinha da manhã dedicada à atividade física.
Revivi um episódio do passado no cartão-postal da cidade. Estava ofegante. Fora de forma. Pulmões enroscados nos dentes. Tirei os fones para ouvir o que um passante me falava. E isso me levou ao mesmo parque, em uma mesma manhã de meio de semana, quando, há doze anos, um sujeito também havia me parado pedindo informações. Mas era uma cilada, era uma tentativa de assalto – a primeira e única sofrida por mim, em plena luz do dia maringaense.
Naquele episódio pretérito, eu agi como nunca imaginaria diante da violência urbana bem diante de meu nariz: desdenhei da faquinha de cortar bife do “assaltante” – um moleque de bermuda, chinelo de dedo e camiseta de futebol – e me neguei a passar o celular. Não era justo. Eu não tinha um real no bolso e aquele celular, à época, era a única ferramenta para manter um dedo de prosa com namorada, familiares e amigos que moravam em outra cidade.
Assumi as rédeas da situação, como pouco faço em minha vida de modo geral. Em plena oratória espontânea e incontestável, convenci o rapazote de que estava ele assaltando o cara errado, um pobretão qualquer que precisava bater ponto em quinze minutos para não perder emprego. Falei das minhas origens paulistanas, Zona Leste, mano a mano.
Fiz um amigo. Paguei almoço com meu vale-alimentação. E caí na besteira de mostrar para o “meu amigo” um canivete que havia acabado de ganhar e que, por sorte, ainda estava guardado em minha mochila. Se não levou meu celular, a arma branca não devolveu jamais após querer “ver com a mão”. Havia dado condições armamentícias para que ele, agora de bucho cheio, realizasse novas e, talvez, bem sucedidas tentativas de assaltos.
Anos se passaram. Alguns amigos me doam risadas sempre quando conto a história do assalto no Parque do Ingá. Seria eu uma presa fácil para a bandidagem? Queria saber o porquê de as pessoas não titubearem em me abordar no meio da rua. Não sou simpático, pelo contrário, mas talvez eu passe esta primeira impressão aos estranhos ao meu redor.
Voltemos a 2018. Como já disse, fui alvo de abordagem novamente. Ele não estava com trajes leves/esportivos e nem trotava o trote dos campeões da vida saudável. Não se tratava, também, de um observador da natureza, pássaros, macacos, fauna, flora, caldo de cana, água de coco. Turista não era, mas também não morava em Maringá. Vestia o uniforme dos desempregados: calça jeans puída, sapato gasto, blusa torta e uma pastinha com currículos debaixo do braço.
Ao interromper a minha fracassada tentativa de praticar corrida, aquele sujeito tinha no semblante a necessidade de obter uma informação. Elza Soares e o seu novo “Deus é Mulher” podia esperar um pouquinho. Pause no Spotify. Ele queria saber como fazia para chegar ao terminal rodoviário. O ladrãozinho de doze anos atrás veio com desculpa parecida: perguntou onde ficava o colégio mais próximo, para depois anunciar o assalto.
Naquele momento, então, tinha duas opções, em meio às lembranças fortuitas no Parque do Ingá: ajudar o pobre rapaz a encontrar o local para pegar o ônibus de volta para casa (certamente após algumas entrevistas de emprego frustradas, sabe como é, 1/3 dos jovens estão desempregados no País etc.) ou me desvencilhar para buscar os sonhados 5km correndo para bem longe das pessoas e do mundo.
Recebi um “obrigado” após me esforçar para dar a informação correta, dizendo: “você vai subir quatro quadras e depois virar à esquerda; andando mais umas cinco quadras, verá o terminal”.
Existem duas formas de estar desempregado: com uma pastinha debaixo do braço ou com uma faquinha de cortar bifes na mão.
Foto/destaque: Assessoria de Comunicação/PMM
Legenda: Moradores praticam caminhada no Parque do Ingá
Por Wilame Prado
Jornalista e cronista em Maringá. Autor do livro de contos “Charlene Flanders, que Voava em Seu Guarda-Chuva Roxo, Mudou Minha Vida” e tem um conto publicado na coletânea “15 Formas Breves”, editado pela Biblioteca Pública do Paraná.