Um ato “heroico” – às avessas – precisa de plateia para ser lido como tal. A divulgação do nome, rosto, personalidade do assassino só contribui para isso

Por Cecília França*, diretora do Sindijor Norte PR

Quarta-feira, 5 de abril, foi um dia pesado para nós. Quando digo nós, refiro-me a toda a sociedade. O ataque brutal contra crianças da pré-escola por parte de um jovem de 25 anos, em Blumenau, nos atravessou e, em muitos casos, paralisou. Soube de mães que encerraram reuniões de trabalho, com crises de choro; outras que decidiram manter seus filhos em casa, com medo.

As vítimas tinham a idade dos meus filhos. O mais novo está prestes a completar 4 anos e o mais velho, 7. A imagem de um dos pais deixando a creche carregando somente a mochila do filho me destroçou. Nos grupos de mães que participo, muitas informações desencontradas sobre ataques em série Brasil afora que, felizmente, não estavam ocorrendo. Nos grupos de colegas jornalistas, intenso debate sobre como cobrir esses ataques.

Dar ou não visibilidade ao autor do massacre – o “monstro”, como muitos classificam – era o ponto chave da questão. Dois grandes grupos jornalísticos anunciaram ontem mudanças nas suas coberturas: Estadão e Rede Globo. Eles não mais divulgarão nomes ou imagens dos autores, nem uma única vez. Seguem, assim, recomendações de estudiosos do tema, para quem a visibilidade pode estimular novos ataques.

Eu vi o rosto do assassino. Não porque quis, mas porque perfis policialescos irresponsáveis postaram nas redes sociais. Depois vi matérias em sites de notícias, dos quais esperava o mínimo de critério, acompanhadas de manchetes no estilo entretenimento: “Conheça o autor do massacre”. Matéria caça-clique, como tantas que vemos nos dias de hoje, mas sobre o autor de um massacre contra crianças? Inaceitável.

Não é de hoje que nos detemos sobre a temática de como divulgar ataques em escolas. Muito do que aprendemos vem da experiência norte-americana, onde esses massacres acontecem há décadas, estimulados pela facilidade de obtenção de armas de fogo.

O ataque à creche aconteceu uma semana após o atentado em uma escola estadual na Vila Sônia, em São Paulo, quando uma professora de 71 anos foi assassinada. Um dia após, houve uma tentativa de ataque no Rio de Janeiro, na Gávea. Aqui mesmo, em Londrina, a polícia apreendeu, na última segunda-feira, um adolescente que anunciava nas redes a intenção de cometer crime semelhante.

Nesta quinta, outro menino foi apreendido com uma arma de fogo dentro de um colégio estadual. Disse, em depoimento, que havia levado a arma para se proteger de um possível ataque. Em meio ao pânico coletivo que se vai construindo, pode bem ser verdade.

Pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), divulgada pelo Portal Catarinas, indica que pelo menos 23 escolas do Brasil registraram ataques de alunos e ex-alunos desde 2002.

Como esquecer de Realengo, em 2011, quando um ex-aluno matou 12 estudantes? O ataque completa 12 anos neste 7 de abril e parece que há um motivo para este mês ser o mais “escolhido” para esses crimes: o ataque de Columbine, em 1999, nos Estados Unidos, quando 15 jovens foram assassinados, em 20 de abril.

É o horror se encontrando.

Em 2019, outro caso chocante no Brasil, o de Suzano, no estado de São Paulo, quando dois atiradores, ex-alunos, mataram cinco estudantes e duas funcionárias. Além da arma de fogo, usaram uma machadinha, mesmo instrumento usado pelo assassino de Blumenau.

Mas a maior concentração de ataques no Brasil (10 dos 23) ocorreram em 2022 e 2023, segundo a pesquisa divulgada pelas Catarinas. Ou seja, mais da metade dos casos ocorreu nos últimos 15 meses.

Para a pesquisadora Telma Vinha, uma das responsáveis pelo estudo, o aumento dos ataques se relaciona a fatores como o incentivo maior, nos últimos anos, a atos agressivos e a radicalização dos jovens através das plataformas digitais.

A escalada dos discursos de ódio no Brasil nos últimos anos pode explicar parte disso.

Tentar entender as causas é uma das maiores dificuldades e necessidades. Ontem encontrei o artigo “O que nos falta aprender sobre atentados escolares em tempos digitais”, publicado no mesmo dia, mas, certamente, antes da notícia do ataque à creche de Blumenau, que traz informações importantes. A autora, Juliana França David, discorre sobre como determinadas redes são usadas para disseminar ódio a determinados grupos – especialmente mulheres e negros – e incentivar tais ataques. Nelas, os ataques seriam glorificados como um ato heróico.

Neste ponto pesa a responsabilidade da imprensa. Um ato “heróico” – às avessas – precisa de plateia para ser lido como tal. A divulgação do nome, rosto, personalidade do assassino só contribui para isso. Daí a importância das normas restritivas impostas pelos conglomerados de mídia.

Há, no entanto, os veículos irresponsáveis, que exploram a notícia atrás de cliques. E há, claro, as redes sociais, um campo sem regulamentação.

Ontem, um colega jornalista, pessoa sensível como poucas, fez uma postagem com o seguinte sentido: “Quando eu tinha medo antes de dormir, minha mãe sempre me dizia que monstros não existem. Eu me acalmava e adormecia. Mas, infelizmente, eles existem“. Ele se referia ao assassino de Blumenau.

Eu também digo para meus filhos que monstros não existem, mas que pessoas más, sim. Uma tentativa de protegê-los, dentro do entendimento possível para crianças tão pequenas. Quisera eu, como mãe, jornalista e cidadã, que somente monstros peludos, gigantes, de unhas afiadas e urrantes fossem de verdade…

*Cecília França é mãe, jornalista, feminista, antirracista, ativista dos direitos humanos.

Foto ilustrativa: Unsplash

Texto originalmente publicado na Rede Lume de Jornalistas

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