Em cartaz nos cinemas, o filme “The Post – A Guerra Secreta” conta como o Washington Post se portou diante de uma grave denúncia contra a Casa Branca e como – a partir daquela cobertura – deixou de ser um periódico de alcance regional (como é O Diário do Norte do Paraná) para se tornar um dos jornais de maior credibilidade nos Estados Unidos, hoje mundialmente conhecido. A história contada nas telonas é uma verdadeira aula para jornalistas e para gestores de veículos de comunicação. A postura da proprietária daquele jornal norte-americano, de valorização dos jornalistas da equipe, de zelo com a credibilidade do veículo e de respeito irrestrito aos leitores; é a antítese da postura de Franklin Vieira da Silva, sócio-proprietário de O Diário.

No 11º dia da greve dos jornalistas, em editorial publicado na edição deste sábado (17) e assinado por “Dr. Frank“, como é conhecido o dono do veículo, O Diário falta com a verdade em alguns tópicos e sonega dos leitores do jornal informações valiosas sobre o movimento paredista deflagrado no último dia 7. No editoral, a direção da empresa escancara sua falta de respeito com a história de serviços prestados por jornalistas que lhe serviram por anos, décadas; demonstra pouco apreço com os leitores; e compromete ainda mais a credibilidade do jornal, já abalada por uma gestão temerária que, pelo grave quadro de salários atrasados que se arrasta há um ano e oito meses, levou ao desligamento de inúmeros bons profissionais e, mais recentemente, forçou o início desta greve. São quase dois anos de atrasos recorrentes, mesmo assim, nós, trabalhadores, cumpríamos o expediente com esmero, na busca de sempre fazermos o melhor jornal possível, ainda que em meio a condições adversas, porém, essas ultrapassaram qualquer limite aceitável.

Já no primeiro parágrafo do editoral, o autor falta com a verdade ao dizer que “com regularidade, a empresa se preocupou em fazer repasses de parte destes vencimentos para que o grupo de trabalhadores administre sua sobrevivência básica”. No grupo de grevistas, por exemplo, há quem ainda não tenha terminado de receber o salário de outubro, outros mal começaram a receber salários de novembro. Antes mesmo da greve, os trocados semanais que eram depositados foram cortados. Há colegas grevistas que não recebem um único centavo há mais de quatro semanas, e os extratos bancários deles provam que a empresa mente sem pudor ao falar em “sobrevivência básica”.

O editorial adota discurso inverídico ao falar que “a ausência de diálogo se distancia da verdade”. Desde outubro de 2017, os profissionais da redação passaram a cobrar com mais rigor uma proposta de parcelamento dos atrasados, sem serem atendidos. Para se ter uma ideia, foram 18 reuniões com representantes do sindicato, entre as que envolveram somente os profissionais e também a direção de O Diário – empresa esta que só obteve o adiamento da assembleia de recuperação judicial com a ajuda dos votos dos jornalistas atualmente em greve.

No mês de janeiro, os jornalistas, por meio do sindicato que os representa, enviaram à direção uma proposta de congelamento dos atrasados e parcelamento, com prazo de uma semana para resposta. Os sete dias se passaram sem qualquer retorno por parte da empresa. A partir do silêncio, a greve começou a ser aventada. Aliás, foi só após o ventilamento da possibilidade que os diretores de O Diário buscaram a redação, sem qualquer sugestão de acordo, simplesmente questionando sobre a possibilidade de paralisação. Nesse encontro, após pressão por parte dos trabalhadores, a empresa pediu um novo prazo para buscar uma proposta, ao que recebeu dez dias. Em vias de vencimento deste prazo, a direção requisitou um adiamento, pois o dono, Franklin Silva, estava em viagem a Balneário Camboriú (SC), local conhecido de férias dos paranaenses. Colocando-se em diálogo, os funcionários deram mais um dia de prazo.

O resultado? Não houve proposta. Um solene “não” às reivindicações de profissionais que agonizam com os salários atrasados não pode ser considerado “diálogo”. A suspensão temporária do plano de saúde de grevistas, muito menos. O editorial diz que “nenhum colaborador teve o plano de saúde suspenso”, mas um colega grevista precisou de consulta médica na última semana e ficou desamparado. A operadora informou que o atendimento havia sido bloqueado por falta de pagamento. A realidade é que, mesmo descontado em folha dos colaboradores, o plano de saúde apresentou problemas recentemente e impediu o serviço imediato a funcionários que passavam por problemas de saúde.

Ao invés de revelar pormenores que levaram à deflagração da greve, a publicação prefere criticar o apoio de entidades às manifestações que têm sido realizadas pelos jornalistas em greve. Graças a esse suporte de outros trabalhadores, os grevistas conseguiram fazer sua causa chegar aos ouvidos dos maringaenses, já que uma ofensiva da empresa junto a proprietários de outros veículos de comunicação calou jornalistas que prestam solidariedade à greve nas redes sociais, mas que na imprensa, censurados, nada podem contar.

Os donos da empresa também jogam contra a inteligência popular ao tentarem imputar a uma greve legal e justa culpa que pertence exclusivamente a eles, gestores. Muito antes da greve, inúmeros profissionais deixaram a empresa pela falta de pagamentos de salários. Entre os quais estavam vendedores de alto gabarito, atraídos por empresas onde salários são pagos em dia. Outros foram demitidos sem o acerto por parte da empresa, apenas com a recomendação: “busquem seus direitos na Justiça”. Uma procura básica no Google mostra a imensa quantidade de processos trabalhistas aos quais o jornal responde. Vários esforços para recompor a equipe de vendas foram em vão também por conta do problema salarial. Ao contrário do proprietário, homem rico e de posses, para os trabalhadores essa ingerência criou um problema de natureza alimentar, de severas dificuldades que atentam contra a dignidade humana.

O editorial também engana os leitores quando relata que apenas 13 funcionários se encontram afastados da função (em greve) “por opção própria”, e que não há um único trabalhador parado nos demais setores. A verdade é que paralisações pontuais de outros setores, como faltas ao trabalho, fizeram com que leitores deixassem de receber o jornal logo pela manhã. Aliás, parte dos trabalhadores não parou por medo de represálias ou por falta de organização para compor o movimento paredista, apesar de veladamente demonstrarem apoio aos grevistas diariamente. A greve não existe porque os grevistas querem tomar champanhe e passear de helicóptero, existe porque esses trabalhadores precisam dos salários para as questões mais básicas, como o pagamento das contas de água, luz e gás, para a compra de alimentos e para honrar financiamentos da casa própria.

A manifestação do dono do jornal também diz que a “militância grevista atravanca a atração de profissionais”, de novos jornalistas para a produção de conteúdo. Pois bem. Primeiro é importante ressaltar que a contratação de novos funcionários em substituição aos grevistas é proibida por lei. Segundo, fica nosso agradecimento aos colegas de profissão que se negam a prestar serviços a O Diário, não por medo da suposta “militância grevista”, mas por solidariedade, consciência e por entender que os R$ 100 oferecidos pelo freelancer diário é uma afronta.

Segundo o editorial da empresa, as edições que seguem sendo produzidas por dois editores, dois repórteres (um deles contratado após a greve), um editor de fotografia e três diagramadores são “legítimas” e “permitem que os leitores e assinantes recebem com a qualidade possível as edições diárias”. Essa afirmação não muda o fato de que os leitores têm recebido um produto de baixíssima qualidade, repleto de releases (textos de assessorias), de material de agências e de reportagens assinadas como “De Redação” por colegas preocupados em expor seus nomes e manchar suas biografias – já maculadas pelo peleguismo.

Com a licença para a analogia, ao vender “carne de primeira e entregar carne de quinta” nas edições ilegítimas, O Diário demonstra, de maneira clara e irrefutável, seu minguado apreço pelos leitores e assinantes que investem e acreditam no jornal. Porta afora, em greve, estão profissionais gabaritados, com vasta experiência em suas áreas de atuação na redação. Falamos de pessoas que continuaram a trabalhar sem receber, por meses, aguentando promessas vãs e doses cavalares de descaso, e adoecendo por conta dos problemas gerados pela falta dos salários. A greve foi um ato de desespero, pensado com cautela e prudência, e hoje compreendido e apoiado por pessoas sérias de Maringá, que conseguem se colocar no lugar do próximo.

O editorial da mais recente edição ilegítima chega ao cúmulo de falar em “terrorismo” por parte do movimento paredista, desvirtuando plenamente o debate, esquivando-se da realidade dos fatos e omitindo verdades. Vejamos um pouco de tudo que O Diário omite dos leitores sobre os motivos da greve:

– O proprietário do jornal estava em Balneário Camboriú quando o indicativo de greve foi aprovado;

– Os diálogos que a direção da empresa afirma ter entabulado com a redação jamais incluíram um plano de pagamento, como cobrava a redação;

– Na última reunião antes de a greve ser deflagrada, Franklin Silva pede “pelo amor de Deus” para que não o façam passar vergonha. Estava ele mais preocupado com sua imagem perante a sociedade do que com as dificuldades impostas aos funcionários por conta dos atrasos de salário;

– O proprietário seguiu fazendo retiradas – ainda que legais, imorais – mesmo quando os salários já estavam atrasados (o que ocorre desde maio de 2016), ampliando a dificuldade da empresa em honrar com seus compromissos;

– O FGTS dos trabalhadores não é recolhido desde maio de 2016, fato que impede O Diário de obter a certidão negativa exigida pelo poder público. Ou seja, a impossibilidade de firmar acordos comerciais com o ente público não tem ligação alguma com a greve, mas sim com a má-gestão;

O Diário não colaborou com Ministério Público do Trabalho nos esforços em firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para resolver o passivo dos salários atrasados, fato que levou o MPT a processar a empresa;

– Em processo de recuperação judicial, a empresa teve o congelamento de dívidas com credores para que pudesse colocar a casa em ordem, porém, desde então, a situação se agravou de um mês de salários atrasados para entre quatro meses (no caso de alguns colegas) e três meses no caso da maioria dos grevistas;

– Há colegas sem receber um único centavo há mais de um mês;

– Além de atrasos referentes a outubro/novembro (parciais), dezembro e janeiro, o 13º de 2017 não foi pago. O mesmo vale para o adicional de férias, desde julho de 2017. Vale frisar que o 13º de 2016 só foi quitado com um ano de atraso, em dezembro de 2017, em duas parcelas, sem correções;

– Entidades que prestam apoio ao movimento paredista não são terroristas por ajudarem outros trabalhadores num momento de luta por direitos básicos. Usar essa expressão é covardia da parte de quem tira comida da mesa de quem trabalhou por um salário justo e não o recebeu;

– A greve não é apenas dos jornalistas do Diário, é também de colegas de outros departamentos do jornal que não puderam cruzar os braços (ainda). Há pessoas que ganham menos do que um passeio de helicóptero e que, com seus salários atrasados, têm dependido da solidariedade de amigos e familiares para não passar fome.

Por tudo isso que O Diário omitiu de seus leitores, em um editoral que representa um capítulo vergonhoso da história do jornal, a greve prossegue por tempo indeterminado, baseado num direito constitucional dos trabalhadores. Sobre o diálogo, neste sábado (17), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná teve a primeira mesa de negociação com a empresa. Novamente, os patrões não tinham proposta alguma para apresentar, a não ser dizer que não podem pagar. E sem salário, o trabalhador não pode trabalhar.

Enquanto isso, a bela história do Washington Post, que contou com a interpretação de atores consagrados como Meryl Streep e Tom Hanks, caminha como favorita ao Oscar de Melhor Filme. Coisas assim só são conquistadas por jornais e por proprietários de veículos de comunicação que respeitam seus funcionários e seus leitores.

Redação de O Diário
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná

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